Domingo, 14 horas, sol, cidade vazia. Chego de viagem. Coloco a mala no chão do apartamento de cinco
quartos em uma das maiores metrópoles do mundo.
Dizem que 20 milhões de pessoas vivem aqui. E, no meu apartamento de 400 metros quadrados
só mora uma. Ninguém mais. Nem uma planta, nem um animal de
estimação. Eu não ligo. Passo a maior parte do tempo viajando, então
nem uma planta sobreviveria ao meu árido estilo de vida... Eu já me acostumei... Mas às vezes, como
neste domingo, às 14 horas, eu sinto um baque quase que ao mesmo tempo que bato
a porta após uma temporada curta no exterior... Ninguém vem me receber, como
sempre. Ninguém me pergunta como foi a
viagem, como sempre.
Escolhi essa vida.
Divorciei-me há dez anos. Nunca
mais me casei. Os casos com mulheres
interessantes são fugazes como eu quero.
Elas querem sempre mais... Mulheres.
Mas eu mantenho a rotina. É
importante um homem ter seu ritmo, seu território, seu equilíbrio. O divórcio me separou não só de um casamento
infeliz, mas das minhas quatro filhas.
Todas do lado da mãe, na união natural das mulheres. Incapazes de aceitar a infidelidade. Como se fosse a elas que estivesse
traindo. Talvez estivesse...
As mais novas enfrentaram a família e vinham me ver no
início. As mais velhas ficaram anos sem
falar comigo. A culpa me consumiu
durante todo esse tempo. Mudei de país
para fugir da vergonha e do meu reflexo envelhecido no espelho. Mas aqui eles também tem espelhos. Minha amante foi paciente. Acreditou e acredita que ficaremos juntos. Já temos 15 anos de relação, mas a verdade é
que isso nunca vai acontecer. Nunca mais
vou enfrentar minhas filhas por mulher nenhuma.
Nunca mais.
Ela fica. Mas
acredita. A escolha é dela. Se quiser ficar, as regras são claras. Mas, ainda assim, ela fica.
A outra vive no meu país de residência e também tem quatro
filhos. Convenientemente, há uma hora de
voo da minha casa. Também não ficaremos
juntos, mas ela acredita.
Alguns dizem que tenho pavor de compromisso, que tem a ver
com minha infância de rejeição. Não me
importo. Depois dos 50 anos, você
finalmente compreende que tem menos tempo a frente de si do que para trás.
Às vezes vejo relances de vida. Conheço pessoas fora da curva. Mas... logo volto ao meu trilho. Meu trem bala executivo que vai sempre em
frente. Não posso parar. O silêncio me
fere. A solidão faz sangrar as
feridas. A ausência do vento faz doer
meus olhos cansados da idade e da tristeza cristalizada nas rugas do meu rosto.
Por isso gosto de bicicleta.
Corro o mais rápido que for possível.
Corro por qualquer pista. Corro
sem parar, por horas. O movimento me
entorpece, tal qual uma droga qualquer.
E mantém meus músculos tonificados e atraentes para mais mulheres me
fazerem esquecer a solidão.
Gosto desses momentos com elas, mas nunca vou além. Elas falam de futuro. Eu sorrio e mantenho minha mente longe desses
ideais. Como prometer algo que não me
pertence? Sou só um andarilho. Um nômade.
Nunca amei. E, conforme a velhice
se apresenta, compreendo. Minha maior
punição vai ser partir sem nunca ter conhecido o verdadeiro amor.
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