segunda-feira, 1 de julho de 2013

Amplitude


Domingo, 14 horas, sol, cidade vazia.  Chego de viagem.  Coloco a mala no chão do apartamento de cinco quartos em uma das maiores metrópoles do mundo.  Dizem que 20 milhões de pessoas vivem aqui.  E, no meu apartamento de 400 metros quadrados só mora uma.  Ninguém mais.  Nem uma planta, nem um animal de estimação.  Eu não ligo.  Passo a maior parte do tempo viajando, então nem uma planta sobreviveria ao meu árido estilo de vida...  Eu já me acostumei... Mas às vezes, como neste domingo, às 14 horas, eu sinto um baque quase que ao mesmo tempo que bato a porta após uma temporada curta no exterior... Ninguém vem me receber, como sempre.  Ninguém me pergunta como foi a viagem, como sempre. 
Escolhi essa vida.  Divorciei-me há dez anos.  Nunca mais me casei.  Os casos com mulheres interessantes são fugazes como eu quero.  Elas querem sempre mais... Mulheres.  Mas eu mantenho a rotina.  É importante um homem ter seu ritmo, seu território, seu equilíbrio.  O divórcio me separou não só de um casamento infeliz, mas das minhas quatro filhas.  Todas do lado da mãe, na união natural das mulheres.  Incapazes de aceitar a infidelidade.  Como se fosse a elas que estivesse traindo.  Talvez estivesse...
As mais novas enfrentaram a família e vinham me ver no início.  As mais velhas ficaram anos sem falar comigo.  A culpa me consumiu durante todo esse tempo.  Mudei de país para fugir da vergonha e do meu reflexo envelhecido no espelho.  Mas aqui eles também tem espelhos.   Minha amante foi paciente.  Acreditou e acredita que ficaremos juntos.  Já temos 15 anos de relação, mas a verdade é que isso nunca vai acontecer.  Nunca mais vou enfrentar minhas filhas por mulher nenhuma.  Nunca mais.
Ela fica.  Mas acredita.  A escolha é dela.  Se quiser ficar, as regras são claras.  Mas, ainda assim, ela fica. 
A outra vive no meu país de residência e também tem quatro filhos.  Convenientemente, há uma hora de voo da minha casa.  Também não ficaremos juntos, mas ela acredita.
Alguns dizem que tenho pavor de compromisso, que tem a ver com minha infância de rejeição.  Não me importo.  Depois dos 50 anos, você finalmente compreende que tem menos tempo a frente de si do que para trás.
Às vezes vejo relances de vida.  Conheço pessoas fora da curva.  Mas... logo volto ao meu trilho.  Meu trem bala executivo que vai sempre em frente. Não posso parar.   O silêncio me fere.  A solidão faz sangrar as feridas.  A ausência do vento faz doer meus olhos cansados da idade e da tristeza cristalizada nas rugas do meu rosto.
Por isso gosto de bicicleta.  Corro o mais rápido que for possível.  Corro por qualquer pista.  Corro sem parar, por horas.  O movimento me entorpece, tal qual uma droga qualquer.  E mantém meus músculos tonificados e atraentes para mais mulheres me fazerem esquecer a solidão.
Gosto desses momentos com elas, mas nunca vou além.  Elas falam de futuro.  Eu sorrio e mantenho minha mente longe desses ideais.   Como prometer algo que não me pertence?  Sou só um andarilho.  Um nômade.  Nunca amei.  E, conforme a velhice se apresenta, compreendo.   Minha maior punição vai ser partir sem nunca ter conhecido o verdadeiro amor.

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